sábado, 22 de outubro de 2011

INDIO

Eu vi um índio na rua
e ele comia chocolate.
Sua roupa era de tergal, voil ou escambau,
não era de folha ou de pena, não era tanga.
Andava de ônibus, bebia coca-cola
e dormia na sarjeta.

O índio que eu vi na rua,
não era bicho do mato,
era senhor do asfalto,
magro, triste, faminto e sem teto,
também era analfabeto.

Sonhava matando onça,
Comendo caça e pescando e
Acordava bêbado e chorando.

A saudade ardia-lhe o peito
e um dia voltou para a sua gente,
mas a sua tribo não mais existia.

Decidiu voltar à cidade
e eu vi quando ele voltou,
fez dela a sua aldeia
e foi parar na cadeia.

Eu vi um índio na rua
e ele não era mais índio.
Sua roupa era de pena...era tanga;
ele era um bicho do mato,
comia caça e matava gente,
era forte, alegre e nutrido...
já não era analfabeto,
mas era um louco varrido.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

TENTATIVA

Eu tentei reconquistar um velho amor.

Um doce e velho amor.

Mas o que consegui foi ressuscitar a dúvida, a desconfiança, o ódio e a culpa pelo erro que cometi quando perdi o doce e velho amor.

E assim, armou-se uma contenda num palco familiar.

Os erros e as ignorâncias mútuas se digladiaram e nós dois perdemos um ao outro outra vez.

Eu tentei ser grande o bastante para me tornar tão pequeno e insignificante, ao ponto de assumir culpa por culpa, erro por erro – os meus e os dela – mas não fui capaz.

Chamado à luta (ela escolheu as armas: os alfinetes) topei.

Feri e fui ferido e mais uma vez nós dois perdemos.

Perdemos mais uma chance de sepultar o passado e de regar a semente do futuro.

Mas aprendemos que não se sepulta o insepultável, como não germina o que ainda não se plantou.

Eu tentei fazer renascer o velho e doce amor e colhi os frutos do velho e amargo ódio.

E os colhi viçosos e maduros e os devorei, como a fruta predileta, numa só mordida. O seu sabor rasgou minhas entranhas, envenenou a minha esperança que sucumbiu no último vômito que dei.

REENCONTRO

O seu beijo e o seu sexo,

melhores que outrora,

fizeram-me, como mágico,

transpor as barreiras do medo,

os entraves da dor

e os óbices do orgulho,

e num mergulho à paixão,

afoguei-me no desejo incontrolável

de amá-la mais uma vez.

Na água morna, quase caliente, da banheira,

vi-a sereia entre espumas

e nos jatos da hidromassagem acariciei o meu santo ego,

como espécime irresistível e em extinção.

Chorei ao lembrar que não fui capaz de lapidar,

com todas as palavras do meu vocabulário,

a escultura que você sempre foi.

Então, sorri...

desbotadamente,

inconsequentemente,

levianamente

e inconscientemente,

ao sentir sua maturidade forjada com fios de orgulho e mágoa

esticados ao limite, entre dentes afiados.

E veio o sexo, complexo,

anexos os corpos, só restou o prazer.

JANELA

Abro a janela do mundo no meio da tarde

e espio lá fora a vida que voa rasante sobre a morte adormecida,

após o último repasto.

Sinto frio e arrepio, fecho a janela e vivo enquanto posso.

Sou infeliz de vida amarga, em busca não da felicidade.

Esta é escassa no mercado.

Mas a paz é possível e hei de encontra-la, mesmo que seja no último instante da vida.

Esta é o que me resta.

IRREAL

Eu a fiz com os fragmentos de um sonho

e a tornei tão real como a matéria mais densa do átomo.

Eu interferi no tempo

e acertei os ponteiros entre o querer e o poder.

Fiz-me constituinte de uma república só nossa de nome: amor.

Li suas mãos, desvendei mistérios,

Esculpi-lhe uma estátua, construí um castelo e a convidei pra rainha.

Enganei-me...

Você não era real, não era verdade...

Você era apenas um doce sonho...

Nada mais.

DÚVIDA

O caminho nasce na certeza e rasga o destino rumo ao infinito.

Tudo é emoção, deslumbramento, a cada curva;

Um suspiro aliviado no topo do aclive e um friozinho no deslizar sereno do declive.

As paisagens se confundem, as imagens se desfocam e a certeza persiste.

De repente uma placa: “Ponte estreita a frente”.

Toma-se cuidado, lê-se atentamente a sinalização e esta se multiplica em curvas a direita, a esquerda, cancelas, obstáculos, cuidado! Animais na pista, ondulações, acostamento com defeito, restaurante a 500 metros, pare fora da pista, bifurcação a 1 quilômetro: razão a direita, aventura a esquerda.

Problema: combustível na reserva.

Solução encontrada: Tira-se a barraca do porta-malas, ergue-a na beira da estrada e se torna o fundador e primeiro habitante da futura metrópole denominada: DÚVIDA.

Dúvida hoje possui milhões de indecisos, à espera de que alguém instale ali um posto de coragem – combustível essencial de seus veículos – para que possam decidir qual o caminho seguir.